Como escrevo poemas?


Um dia me perguntaram (sempre perguntam). 


Eu enrolo e espicho e alongo, eu tento não fazer respostas e desviar o assunto, até mesmo porque não fui feita pra esse tipo de diálogo. Acho que nenhuma pronúncia que envolva inspiração e muito menos o princípio de qualquer escrita merece minhas respostas. Mas como sou mulher de família e muito bem educada por sinal, mesmo sem nenhum tipo de regra: respondo. O que me coloca em desequilíbrio nas respostas talvez seja a minha arte de não saber escrever e de não ter uma linha que direcione para um sentido numa pergunta dessas, de como respondo: "eu escrevo e não mudo nenhuma palavra. Se assim eu penso, de outro jeito escrevo: pra desorientar mais". Mas se querem saber como faço versos, se querem saber o início de um poema, se querem saber o qual é a musa ou muso, se querem saber isso tudo e mais o que vocês sentem vergonha em perguntar: eu respondo em linhas pra vocês, respondo em letras de grafite porque minha bochecha faz o sangue visitá-la em simplesmente dizer como surgem os poemas. Ponto e basta aqui. Reticências e vírgulas em diante: analiso o tipo de guardanapo de boca nos eventos em que prestigio. Sei o tanto que essa frase ficou sólida e sem graça, assim eu faço um mergulho na própria inspiração do que foi escrito: sinto em lábios o desenho dos papéis macios grudados e sendo absorvidos pelos cantos que contornam meu batom, assim eu sinto a textura da celulose e um gosto de algodão. E assim observo o limpar de cada boca, o tom de cada batom e a carne de cada lábio. Espero cada guardanapo sentir inutilizável e sujo em tons de vermelho, espero a boca de todos para que eu possa sentir um princípio de comunicação com a língua de cada um. Quando o momento chega: as luzes se afogam e o tunchi começa, as cadeiras sentem um vazio e o chão do salão começa a ser pisoteado.  Eu, onde estou? Cadê eu que ainda esquento a banquinho, aonde que eu não fui? Nesse momento eu me chamo de princípio e arranco e devoro e pego cada guardanapo das bocas daquela mesa, imediatamente coloco um em cima do outro, esmago e passo a mão e depois as duas e depois encerro com uma dobra e me vou para o banheiro, procuro um sanitário que tenha bastante papel higiênico: caso falte para o princípio, estarei segura da minha vontade. Então, entro e fecho a porta e começo a despir meu corpo, soltar os cabelos, tirar a maquiagem, os brincos grandes das mesmas festas, o mesmo vestido preto e branco, a calcinha da MH que não sufoca minha carne lipídica, a rasteirinha que acompanha os meus passos saudáveis durante a noite, cuspo o trident de menta da boca e fico com os papéis da bolsa soltos nas minhas pernas, puxo meus cabelos e cuspo num guardanapo limpando meu suor e dos meus pés sujos: passo a mão e esfrego na parede branca daquele banheiro.  Assim já estou nua, com os cabelos grudando meu pescoço e num pedaço das costas, pés descalços sujos, sem magnetismo nenhum na pele, apenas espalhando os guardanapos sem nenhuma ordem, os extravios em minha derme e por último sento em frente ao espelho, retiro da bolsa o lápis. Aponto grafite em cada parte da minha anatomia, aponto grafite mais e mais: escrevendo minha fisiologia, aponto entre meus dedos e assim que termino os apontamentos: espeto a ponta na minha bochecha e sinto o grau de penetração. Caso eu sinta dor, começo a cuspir versos sem nenhuma intenção de fazer rimas e por último agradeço os guardanapos e coloco de volta na bolsa de uma textura diferente: com poemas misturados em batons e versos que tiveram princípio num momento em que ninguém poderia sentir minha falta. Ás vezes, os convidados são poucos e o papel higiênico inexiste, então: escrevo na própria pele, desde que seja num lugar em que o suor não me faça visita noturna e que não acabe de vez com o poema (isso já aconteceu).

Comentários

austérus disse…
em tudo querida Camila, o teu jeito de passar o sentimento. Então... até escrevendo como escreve poemas: tudo tão sedutor, tudo tão excitante...
Rose disse…
Sem delongas....

Perfeito!

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