Cecília

Vendo o mundo além do espelho, pois além dele eu ainda consigo me ver. Inquieta, por assim, que sou? Tão provocante que me invejo nos reflexos diferentes. São tantas refletidas que calo cega quando é demais. Mas são espelhos e eu já me quebrei em vários. Raios, cacos. Partiram-se...

                                 

Mulher ao espelho

Cecília Meireles


Hoje que seja esta ou aquela,

pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.


Já fui loura, já fui morena,

já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.


Que mal faz, esta cor fingida

do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?


Por fora, serei como queira

a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.


Mas quem viu, tão dilacerados,

olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.


Falará, coberta de luzes,

do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.



Flor de poemas, Editora Record, 1998 - Rio de Janeiro, Brasil


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